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Over(dose) nas redes – Ba Notícia

Como o óbvio também precisa ser dito: a comunicação é parte essencial do ato de governar. Quem governa precisa contar que fez, explicar por que fez, prestar contas, dividir decisões, dialogar com quem concorda e com quem discorda.

De um modo geral, no campo institucional os governos contam com profissionais sérios, técnicos qualificados que comunicam sobre a gestão e não sobre os gestores. Normalmente acontece assim porque existem impedimentos legais, nem sempre por bom senso dos gestores.

Se a comunicação institucional impõe barreiras ao mau uso da coisa pública, no campo político quase tudo pode acontecer e as redes sociais dos gestores públicos são a prova disso. Mas não tenho a pretensão de entrar na discussão jurídica do que pode e o que não pode ser feito. Meu objetivo é desabafar sobre o péssimo uso das redes sociais pelos gestores públicos.

O problema começa quando o gestor transforma suas redes pessoais em réplica digital da agenda oficial, repetindo conteúdos, inflando irrelevâncias e distorcendo prioridades. O resultado é uma espécie de eco ensurdecedor, em que tudo parece importante e, por isso mesmo, nada realmente é.

Embora não estejam submetidas às mesmas normas das redes institucionais, as redes sociais pessoais de autoridades públicas não devem ser transformadas em diários narcisistas ou vitrines de autopromoção sem filtro. Não podem ser tratadas como um espelho de vaidades, e sim como extensão ética da função que ocupa.

O engajamento não pode ser a meta prioritária das redes de um gestor público. A agenda de um gestor não pode ser pensada para gerar conteúdo nas redes. O post deve ser consequência e não motivação. Até porque nem tudo deve ir para as redes. Nem tudo deve ser dito.

Quando tudo é dito, nada é ouvido. A superexposição cansa. A repetição esvazia. A overdose de simpatia vira ruído, gera ranço. E o governante que se esforça tanto para ser notado acaba sendo ignorado, como aquele convidado que aparece em todas as festas e, de tão presente, já não é mais percebido.

O excesso transformou gestores bem intencionados em personagens de si mesmos. E personagens, como sabemos, envelhecem rápido quando mal roteirizados. É o caso do prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Manga (Republicanos), que acumula mais de 3,3 milhões de seguidores apenas no Instagram. A gestão não pode se tornar coadjuvante do espetáculo proporcionado nas redes. Não dá pra trocar gestão por like.

Mais grave ainda é o entorno que aplaude tudo. O entorno que não contradiz, que não alerta, que não freia o entusiasmo quando ele ultrapassa a linha do ridículo. Entorno que, em vez de orientar, bajula. Em vez de proteger a imagem do gestor, acelera sua caricatura. Entorno que cria bolhas de aplauso, onde a vaidade se retroalimenta e o senso de ridículo perde a referência.

Talvez seja hora de respirar. De entender que visibilidade não é sinônimo de relevância. Que nem tudo precisa ser publicado. Que o gabinete não é um reality show. Que reuniões técnicas não precisam virar manchetes. Que a comunicação precisa de pausas para que possa ser estratégica, e não apenas compulsiva.

Menos pode ser mais. Inclusive na política. E principalmente na comunicação da política. Porque quanto mais se expõe, maior o risco de errar, e isso vale para todos: da esquerda à direita. Vale também pra vida pessoal. Equilíbrio e bom senso não são conselhos de autoajuda. São pré-requisitos de sanidade pública.

A visão do autor deste artigo não expressa, necessariamente, a opinião e a linha editorial deste site.

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