
Segundo advogada, mestre em direito ambiental, Tronox vem sendo leniente na produção de laudos que comprovem o impacto de metais pesados na saúde da comunidade de Areias –
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode produzir efeito na apuração de responsabilidade da Tronox sobre a alta incidência de doenças crônicas na comunidade de Areias, que há décadas denuncia contaminação do ar e da água subterrânea na localidade.
A indústria de pigmentos à base de dióxido de titânio, está no centro de um inquérito administrativo que apura o descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2012 para conter o lançamento de resíduos de metais pesados no lençol freático.
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O Ministério Público (MP), celebrante do TAC e autor do inquérito, já comprovou, através de perícia realizada em laudos do Instituto de Meio Ambiente (Inema) que as concentrações de metais nos reservatórios da empresa continuam acima do tolerável.
O promotor do caso, Luciano Pitta, já manifestou desejo de executar o TAC, cujo descumprimento estabelece multa mínima de R$ 1 milhão. A empresa substituiu seus advogados e negocia um aditivo ao TAC.
Em meio às tratativas, moradores que convivem com doenças respiratórias, insuficiência renal crônica, problemas cardíacos e diversos tipos de câncer, aguardam por assistência e cobram reparação na justiça, em um processo que se arrasta há 18 anos.
Ônus da prova
A justiça concedeu aos integrantes da ação a inversão do ônus da prova, ou seja, cabe à Tronox comprovar que a poluição gerada pela fábrica não tem ligação com as doenças registradas ao longo de décadas na comunidade de Areias.
No entanto, nem a empresa, nem a Prefeitura de Camaçari realizaram os exames necessários para investigar possíveis conexões entre as doenças que acometem os moradores locais e a exposição a metais pesados, mesmo após a determinação do Ministério Público para que o município fizesse esse levantamento.
Diante desse impasse, a decisão da 3ª seção do STJ surge como alento para quem não tem sequer os mínimos recursos para arcar com consultas, exames e medicamentos. Segundo o tribunal superior, o crime de poluição ambiental, previsto no art. 54 da lei 9.605/98, possui natureza formal e dispensa a realização de prova pericial para sua configuração.
O colegiado reconheceu que é “suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para a configuração da conduta delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de perícia.” A decisão se refere a um processo originado em Minas Gerais, por poluição sonora.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que, para configurar o crime ambiental, a poluição deveria ser de considerável magnitude, apta a causar ou potencialmente causar danos à saúde humana, circunstância que não ficou comprovada nos autos.
Perigo abstrato
O MP/MG interpôs recurso especial ao STJ, sustentando que o tipo penal possui natureza formal e se trata de crime de perigo abstrato, prescindindo, portanto, de laudo pericial que comprove dano efetivo.
O relator no STJ, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que a interpretação da lei de crimes ambientais deve observar os princípios constitucionais da proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, do desenvolvimento sustentável e da prevenção de danos, considerando o valor jurídico autônomo do meio ambiente como bem de interesse difuso.
Para a advogada e mestre em direito ambiental, Mariangélica de Almeida, embora se trate de processo específico de poluição sonora, não significa que não se aplica a outro tipo de poluição.
“O artigo 54 prevê “causar poluição de qualquer natureza”, tudo que afeta saúde mental ou física, inclusive questões emocionais, principalmente numa época em que o país está tomando Rivotril às toneladas”, diz Mariangélica.
Ela ressalta o entendimento do STJ de que ‘não precisa ser crime de perigo concreto que exija produção de prova indubitável. Basta a conduta para configurar o ilícito’, o que se configura como crime abstrato.
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Mandado de segurança
Fazendo paralelo com o caso da Tronox, ainda que de forma hipotética, a advogada argumenta que é preciso identificar as doenças importantes que atinjam um número significativo de pessoas.
“A área de saúde do município precisa ter isso. Provar que houve aumento significativo, que as pessoas não têm histórico na família, os hospitais devem ter informações. Essa informação já é considerada prova idônea”, explica ela.
Mariangélica ressalta que publicações em revistas científicas comprovando a relação entre exposição a metais e doenças crônicas, bem como a palavra de médicos reconhecidos, podem substituir a perícia, principalmente diante da inversão do ônus da prova.
“A empresa está leniente na produção das provas, isso cria fundamentação científica para a decisão do juiz”, acrescenta Mariangélica. Ela reforça que ações como essa precisam de advogados especializados.
Segundo a mestre em direito ambiental, o Brasil tem pouco mais de 1,5 milhão de advogados, dos quais menos de 2 mil são advogados ambientais. ‘Um bom advogado jamais estaria esperando todos esses anos, já teria entrado com mandado de segurança’ sugere Mariangélica.
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